Diante da Palavra
Vem Espírito de luz, dissipa as trevas que me querem falar e ensina-me a beleza do rosto de Deus.
Evangelho segundo S. Mateus 17, 1-9
Naquele tempo, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão, e levou-os, em particular, a um alto monte e transfigurou-Se diante deles: o seu rosto ficou resplandecente como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz. E apareceram Moisés e Elias a falar com Ele. Pedro disse a Jesus: «Senhor, como é bom estarmos aqui! Se quiseres, farei aqui três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias». Ainda ele falava, quando uma nuvem luminosa os cobriu com a sua sombra, e da nuvem uma voz dizia: «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência. Escutai-O». Ao ouvirem estas palavras, os discípulos caíram de rosto por terra e assustaram-se muito. Então Jesus aproximou-Se e, tocando-os, disse: «Levantai-vos e não temais». Erguendo os olhos, eles não viram mais ninguém, senão Jesus. Ao descerem do monte, Jesus deu-lhes esta ordem: «Não conteis a ninguém esta visão, até o Filho do homem ressuscitar dos mortos».
Caros amigos e amigas: a Palavra hoje interpela-nos a saborear a presença de Jesus e a escutar as suas Palavras.
Interpelações da Palavra
Levou-os a um alto monte
Por norma a quaresma é associada ao deserto. Com esta geografia se evoca a passagem do povo de Israel até à terra prometida (quarenta anos) e se situa a estadia de Jesus antes do início do seu ministério (quarenta dias). Hoje, neste tempo propício, Deus quer de novo conduzir-nos ao deserto para ali nos falar ao coração. Contudo, nesta passagem do Evangelho, leva-nos a um alto monte. É maravilhosa a reviravolta, a surpresa de Deus, o seu inusitado rasgo em reconstruir a nossa quaresma. Lá de cima, mesmo se no meio do deserto, a panorâmica é outra. Lá de cima, sem esvaziar de sentido e riqueza a gramática do deserto, Deus alarga os horizontes do nosso caminho penitencial, contextualiza numa envolvência de beleza as nossas limitações, esbanja luz de Misericórdia sobre as nossas misérias. «Os montes narram que a vida é uma ascensão para mais luz, para mais céu» (Ermes Ronchi). O alto dum monte impõe-nos o gesto libertador de levantar os olhos do chão.
A linguagem poética do monte transborda de sentido nesta caminhada quaresmal. Como lugar bíblico de teofanias, voltamos a ver ali congregados os elementos da manifestação de Deus: a voz, a nuvem, a experiência do tremendo, a visão… Ele continua a revelar-se tanto ao ouvido como ao olhar. Faz-se escutar e faz-se ver.
Transfigurou-se diante deles
Jesus transfigurou-se. Apareceram Moisés e Elias. Envolveu-os uma nuvem luminosa. Esta cadência encontra-se entrelaçada pelo olhar. São os olhos que permitem ver o rosto resplandecente de Jesus, que acedem às suas vestes alvejantes, que possibilitam identificar Moisés e Elias, e que se dão conta da circundante nuvem luminosa. No alto do monte a comunicação passa, e muito, pela contemplação. Ali se dá lugar à Beleza que arrebata e fascina. E ainda nos admiramos que Pedro queira ficar no alto do monte!? E ainda nos perturbamos que queira construir três tendas, não sendo uma para ele e os seus companheiros!? Creio que não é o comodismo a fazê-lo falar. É o sentir-se bem. E quem se sente bem, detém-se. Eis o poder da beleza de Deus que fascina. Eis a experiência de um arrebatamento que não entorpece os membros, antes resulta da contemplação dos membros transfigurados, da dignidade humana refulgente de divindade.
Este é o meu Filho… escutai-O
Jesus, afinal, apesar de toda a promessa de maus-tratos, agressões, sofrimentos e morte, comunicada aos discípulos, é o Filho muito amado do Pai, é o interlocutor de Moisés e Elias, tem rosto divino. Por isso, merece ser escutado e surge a voz paterna a reclamá-lo: «escutai-O». Do Pai soa o apelo a edificar a vida a partir da altura das palavras de Jesus. De novo, o Tabor nos indica o caminho das alturas. No monte, o lugar onde Deus fala, faz-se agora o apelo à escuta da Palavra incarnada.
Levantai-vos e não temais
O mandamento do Pai para escutarmos Jesus faz com que, como terra sequiosa, nos determinemos a absorver, de imediato, as Suas palavras. E eis, nesta sequência, as primeiras: «levantai-vos e não temais». São uma autêntica refeição! Podemos repeti-las até à exaustão, podemos gravá-las com estilete de ferro, podemos ruminá-las… dêmos-lhe carne e sangue. Levantai-vos! Aqui temos a postura dos discípulos, que é a do Mestre Ressuscitado, já antes quando lhe arrancavam a barba. «Não temais», porque Aquele que nos conduz é fiável, mostrou-nos o rosto transfigurado. Por fim, estes discípulos são confiados ao silêncio, mas não impedidos de pregar a confiança no Mestre, nem de contagiar o resto do grupo com uma adesão firme. Duma firmeza tão nossa, tão humana, tão paradoxalmente frágil, que, na mesma pessoa de Pedro, se afirmará disposta a morrer com Jesus, negando-O de seguida, apesar do prévio aviso. Também estas nossas contradições se podem aguentar de pé e sem medos.
Rezar a Palavra
1O Senhor é minha luz e salvação: de quem terei medo?
O Senhor é o baluarte da minha vida: quem me assustará?
4Uma só coisa peço ao Senhor e ardentemente a desejo:
é habitar na casa do Senhor todos os dias da minha vida,
para saborear o seu encanto e ficar em vigília no seu templo.
8 O meu coração murmura por ti, os meus olhos te procuram; é a tua face que eu procuro, Senhor.
9Não desvies de mim o teu rosto, nem afastes, com ira, o teu servo.
Tu és o meu amparo: não me rejeites nem abandones, ó Deus, meu salvador! (Sl 26)
Viver a Palavra
Durante esta semana vou subir a um ponto alto para me encontrar com o Senhor.
Pe José Luís Pombal